Os
Deserdados na
Pintura de Fabricius Nery
Por
Jardel Dias Cavalcanti
Revelar sentimentos e existências
recôndidas através da forma plástica: eis o princípio de algumas das pinturas
de Fabricius Nery. Os que estão mergulhados no anonimato absoluto, os
deserdados da vida social, os abandonados à solidão total, os esquecidos para
sempre e desde sempre.
Habitantes
de sua pintura, que retornam dignamente numa dimensão plástica comovente: são
pessoas adormecidas e recolhidas num auto-abraço quase fetal, são existências
que se contorcem num movimento particularmente dramático de solidão imposta,
são corpos que parecem almejar ora saírem de si, ora o retorno ao vazio
absoluto.
Apesar
da situação existencial retratada pelo artista ser uma espécie de nervo
exposto, em alguns casos Nery aplica nesses personagens uma camada pictórica
delicada, através dos quais seus traços indicam uma grande leveza, colocando-os
num espaço de onde emergem quase como se estivessem sendo protegidos pelo
artista. Percebe-se, sem sombra de dúvida, um respeito por estas vidas
noctâmbulas, esquecidas e condenadas à solidão.
Em
outros casos, o fato pictural acompanha o drama do personagem. Se ele se
contorce nesse drama, é a pincelada, a cor e o desenho que reforçam essa
situação. Isso se traduz num movimento ansioso, angustiado, agitado, e, por
vezes, trágico. Não só nos gestos, mas na escolha de cores que trazem esse
poderoso efeito emocional para o espectador. Cores escuras podem ser molduras
dolorosas para um corpo clarificado por azuis e brancos.
Nery
não faz um retrato realista de seus personagens das ruas, das sarjetas e dos
bancos das praças. Suas vestes não denunciam uma miséria de classe e seus
gestos não contêm o desespero de uma revolta social. O artista prefere imprimir
na própria tecitura de uma pintura insinuante a presença incômoda e ao mesmo
tempo dignificada destes seres. Se na vida real eles são relegados à margem do mundo,
na pintura de Nery impõem-se imperativamente por sua presença dramática.
Exibem
a solidão, seu abandono e sua marginalidade através de um grito que se faz
sentir não só pela boca dos personagens, mas nas entranhas da pintura como se
fossem suas próprias entranhas.
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