quinta-feira, 12 de abril de 2018

Domingo: Cristo na piscina, obra de Fabricius Nery


Domingo: Cristo na piscina: uma leitura
Jardel Dias Cavalcanti


Na obra Domingo: Cristo na piscina, Fabricius Nery retoma a figura de Cristo transportando-o para o mundo contemporâneo. 

sexta-feira, 7 de março de 2014

Uma leitura de
NARCISO
obra de Fabricius Nery


Para o artista não é necessário apenas produzir uma imagem, mas problematizar, através das próprias criações, qual o status que goza a imagem no mundo contemporâneo, mundo no qual ele é, também, um criador de representações. É o que faz Fabricius Nery, numa instigante obra que denominou Narciso.
Pintada em janeiro de 2014, a obra retoma o mito de Narciso, ou seja, a história do jovem que se deixa morrer ao se apaixonar por si mesmo ao se deparar com a própria imagem refletida num lago.
Nery retoma o mito criando outra perspectiva iconográfica, inserindo-a na questão central da vida contemporânea: o sentido da obsessão pela fabricação da própria imagem e sua consequente adoração como uma problemática de nossos dias.
Dessa vez, Narciso está diante de um espelho, onde se vê a si próprio fotografando-se nu, sendo visível no pênis ereto a excitação sexual que é gerada por essa relação de adoração pela própria imagem e, ainda mais, por sua fabricação.
Além da foto que faz de si mesmo ao espelho, de corpo inteiro, aparece ainda, fora do espelho, um dos pés do personagem, indicando que outra camada de realidade se faz presente no quadro. Como se nós, expectadores, fôssemos partícipes da cena, quase fotógrafos de nós mesmos, olhando no espelho nossa própria imagem sendo registrada. Desse inferno ninguém está livre, parece dizer o pintor.

O quadro vai além, colocando na forma labiríntica de sua construção a ideia de que é a geração da própria imagem e a observação desse ato que impulsiona, por si mesmo, o prazer narcísico.
Esse recurso da interpenetração de várias realidades é um dos elementos fortes da arte contemporânea e de sua reflexão sobre a realidade fragmentada, enganosa e labiríntica do mundo. Nery está atento ao que se passa ao seu redor. Para pensar qual o sentido da imagem no mundo atual, nada melhor para o artista, ele também fabricador de imagens, do que trazer a figura de Narciso para o centro do debate.
A sua tela enfrenta a questão. Para além da geometria do espelho que reflete o personagem, outras geometrias vão se recortando dentro do quadro, ampliando essa ideia de que uma imagem não passa de uma sobreposição de camadas da realidade, que são recortadas e montadas incessantemente como se fossem a própria “realidade”.
O procedimento formal de desconstrução das próprias imagens que cria, refletindo sobre seu valor no mundo atual, não é novo na obra de Fabricius Nery, que tem adotado o procedimento do recorte em suas telas como um dos elementos de sua poética. Talvez esteja aí o sentido de sua contemporaneidade. Faz-nos pensar naquilo que Jean Baudrillard disse da fotografia: “A foto é o que nos aproxima mais da mosca, de seu olho facetado e de seu voo em linha quebrada.”  
O resultado desse procedimento, em seu Narciso, é a sensação que o quadro nos transmite de que o que estamos vendo já foi fotografado e é, ao mesmo tempo, a própria foto no momento em que está sendo feita e, em seguida, ela já em situação de imagem fixa em um álbum.  Isso cria dentro da tela quatro tempos: a figura do pé aparece no interior do espelho e também fora do espelho, a imagem que vemos já é a fotografia tirada e revelada e a foto que vemos está fixada no quadro como se já estivesse contida em algum álbum de fotografias.
O quadro é, em si mesmo, o registro dessa atividade de se fotografar a si mesmo e se ver ao mesmo tempo se fotografando e o transformar-se da imagem pronta em objeto para ser visto pelo próprio criador da imagem e pelos outros, agora convertidos em expectadores do meu amor próprio, de minha autoimagem publicitária, de minha adoração narcísica.
A perspicácia do artista foi somar a esse labirinto de imagens os recortes geométricos ao qual a figura central se submete. E a representação que vemos é uma possível fotografia, situada dentro do quadro, sobre a cor vermelho escuro, recortada por uma geometria que a faz parecer uma foto de álbum. Estamos diante de uma imagem que acontece no instante em que se faz existir e, ao mesmo tempo, já condicionada em espaço de possível ou desejada admiração como fotografia de si mesmo.
A leitura atual do tema faz-se necessária. Vivemos num tempo onde a produção da imagem narcísica de si mesmo transformou-se num fetiche absoluto ou em uma neurose aguda. A adoração da autoimagem, acima de todos os outros valores, é quase o “espírito de nosso tempo”. Com a vulgarização da fotografia digital ou de celular, onde todos podem se fotografar o tempo todo e se exibir em redes sociais como se fossem personagens importantes (para outros narcisos que fazem e pensam a mesma coisa), a ideia de uma sociedade onde as pessoas estão apaixonadas por si mesmas é corrente e é necessária sua discussão em qualquer debate cultural.
A excitação sexual explícita da figura central, que se fotografa no quadro de Nery, revela esse amor obsessivo por si mesmo, que toma conta do mundo contemporâneo, num jogo libidinal doentio. Nada parece dar mais prazer ao narcisista do que registrar a sua própria imagem e vê-la refletida em algum lugar. Por isso, fez-se necessário ao pintor criar o desnudamento da figura e seu obsessivo olhar narcísico, que ao mesmo tempo constrói e admira, para que se revele esse prazer, esse desejo e essa excitação pela autoimagem que faz do ato narcísico a raison d´être do homem contemporâneo.
A face introspectiva do personagem revela esse estar-se no mundo apenas para si mesmo, prisioneiro psíquico de um universo fechado ao entorno, alienado daquilo que não seja a sua própria imagem. É o retrato do gozo por si mesmo num rosto que quase fecha os olhos num momento de supremo deleite. E esse gozo existe enquanto imagem, porque tem como auxílio a máquina fotográfica (a flor Narciso de nossos dias), que registra essa entrega ao orgasmo que a imagem de si próprio lhe proporciona.

O que Nery acaba por fazer é revelar, nessa forma sobreposta e entrecortada de imagens, que “na fotografia as coisas articulam-se por uma operação técnica que corresponde à articulação de sua banalidade. Vertigem do pormenor perpétuo do objeto. O que é uma imagem para outra imagem, uma foto para outra foto: contiguidade fractal, nenhuma relação dialética. Nenhuma “visão de mundo”, nenhum olhar – a refração do mundo, em seu pormenor, com armas iguais”. (Baudrillard)
O objetivo da investigação visual empreendida por Nery, recorrendo aqui novamente ao raciocínio de Baudrillard, é “reconstituir, como na anamorfose, a partir de seus fragmentos, e seguindo uma linha quebrada e fraturada, a forma secreta do nosso mundo”.
Com essa obra Nery faz uma leitura radical e profunda sobre o duplo significado que hoje é atribuído à imagem: em primeiro lugar, o sentido da adoração da imagem vazia e publicitária de si mesmo; em segundo, como prisão que construímos para nós mesmos neste terreno movediço, que é um labirinto, onde o próprio conceito de real se transformou na ideia de imagem.



Jardel Dias Cavalcanti

Campinas, atelier de Fabricius Nery, fevereiro de 2014

Texto publicado originariamente em: 

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

PARALELOGRAMO: Exposição 2013

PARALELOGRAMO



TEXTO DA CURADORIA

Paralelogramo:
exposição de Fabricius Nery

“Eu sou tudo o que foi, tudo o que é, e tudo o que será, e meu véu, nenhum mortal ainda o suspendeu”.  (Plutarco)

O título da exposição de Fabricius Nery, “Paralelogramo”, já indica a área de interesse de sua poética. Esquadrinhar formas, figuras e cores, eis o caminho adotado pelo artista. Pintura de formas que anseiam pela geometrização, que une uma vontade arquitetônica de construção à prática do corte cinematográfico, buscando desnaturalizar a figura e impondo a necessidade da montagem da realidade, numa narrativa sempre sob suspeita, pelos olhos do expectador.
Se nas suas telas como um todo existe uma sucessão de fragmentos, não deixando o artista de trazer o corte para dentro do próprio desenho de cada parte da sua pintura. Tanto que até as cores existem aos pedaços, por vezes dinamizando as figuras, ampliando as formas geométricas e criando uma impossibilidade de descrição do real no resultado final da composição.
Para Fabricius Nery, a ideia de construção supera o desejo de expressão. As imagens são pensadas e criadas dentro de um procedimento que se inscreve na tradição construtiva da pintura (Cézanne, Picasso, Léger, Malevitch) e de uma ironia e uso de cores próximas à pop arte. Ainda pode-se pensar nas deformações das figuras como uma relação de admiração pelos artistas Francis Bacon e Egas Francisco, de importância decisiva para Fabricius, que do último aprendeu a abandonar a descrição objetiva do real e a desnaturalização da figura humana.
Apesar desta saudável dívida com a tradição, um caminho pessoal se advinha nas suas pinturas. A correlação entre o orgânico e o geométrico é um campo novo de exploração plástica onde Fabricius tem mostrado grande desenvoltura.
Sua pintura revela o sentido do mundo contemporâneo, aquele que diz que a realidade só pode ser entendida por seus fragmentos e que o sentido que atribuímos à realidade não passa de uma sucessão de pedaços que montamos segundo nosso desejo.
(Jardel Dias Cavalcanti – Dr. em História da Arte pela Unicamp e Prof. de História da Arte e Crítica de Arte da Universidade Estadual de Londrina- UEL)
FOTOS DA ABERTURA DA EXPOSIÇÃO

Leandro Rocha, Jardel Cavalcanti (curador), Renata Strazzacappa,
Egas Francisco, Fabricius Nery
















 Fabricius, Julio e Eva (da Galeria Antigo e Moderno)











 Fabricius montando a exposição




 Texto do curador

 Texto do Egas Francisco para a exposição







 Renata Barone, Egas e Rose





Obra do artista convidado: Gomes Heleno:






Obra da artista convidada da exposição: Kate Manhães